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domingo, 4 de maio de 2014

Colo confessionário


Há algumas horas, nos encontrávamos na mesma posição. Um silêncio em nosso quarto contrastava com o barulho incessante da avenida em frente ao prédio. Chovia.

Tinha a cabeça apoiada sobre as minhas pernas. Imóvel. Uma mão apoiada na lateral do rosto e a outra fazendo círculos no lençol. Um vento frio entrava pela janela entreaberta que eu esqueci de fechar e  batia em nossas pernas, descobertas e entrelaçadas.  As gotas passavam pela janela e molhavam o chão, enquanto as lágrimas dela molhavam meu colo. Chorava baixinho enquanto eu alisava seu cabelo.

Ensaiei levantar e senti suas mãos apertando minha coxa, me pressionou contra a cama e eu cedi.

Reclamou por chorar. Pela milésima vez desde que entramos naquele quarto. Reclamou da vida, ou melhor, questionou a vida.  Questões que ela mesma respondia. Eu pouco falava. Ela chegava as próprias conclusões, a maioria delas sobre dar um jeito em tudo, colocar o mundo no bolso, resolver os problemas dos outros. Era de coração, porque ela era coração.  Sem ter espaço para respirar, se fazia transbordar sem notar.

Eu permanecia em silêncio,  era desnecessário falar. Reclamou. Um pouco nais alto que das outras vezes em que falou. Áspera. "Fala alguma coisa. Eu estou falando de mim e você não fala nada.". Mais uma vez meu silêncio.

Estava sem jeito.

Queria mante-la para sempre ali, comigo. Queria colocar de volta seu sorriso, odiava ve-la assim. Senti um tapa fraco em minha perna, seguido por sua respiração batendo quente em minha pele."Te.O.dei.o". falou pausadamente. Não reclamei. Continuei a alisar seus cabelos. Queria tanto que percebe-se que não dá pra carregar o mundo sozinha. Queria que nota-se que eu poderia dividir com ele aquele peso.

Sussurrou. Não entendi. Ela repetiu. Mais alto dessa vez. "Vai passar. ".Estava pensando em voz alta.

Falava pra se ouvir, achava que fazia mais efeito. Se aconselhava, se ouvia, se perdia, encontrava, tentava se bastar. E para mim, bastava ela e a entrega, a confiança de se dividir comigo, mesmo que sussurrasse que me odiava e que meu silêncio a torturava. Meu silêncio tinha razão, porque mesmo que pensasse o contrário, eu a entendia,  sabia que não adiantaria falar. Ela estava fechada pra balanço.

2 comentários:

  1. Que texto lindo!
    Aliás, escrever é algo que vc faz bem, né? Feliz de ler outro texto teu. Vê se não deixa a gente sem texto muito tempo, viu? HAHAHAHA <33

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    1. Kareeeen! Que saudade de ler seus comentários lindo que me enchem <33
      Obrigada e vou tomar cuidado.

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