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domingo, 1 de março de 2015

BEIJA EU



Chegou em casa depois de um dia exaustivo no trabalho. Escutou o barulho do chuveiro e respirou profundamente por três vezes. Desviou da gata que vinha lhe receber, diferente de outras noites em que disputava espaço no corredor com aqueles pés, hoje ela vinha sozinha.

Haviam discutido, por três dias sem parar, sem tréguas ou pequenos momentos de calmaria.

Depositou a chave no móvel amarelo, exigência daquela outra, aquela pela qual a uma era perdidamente apaixonada. Não conseguia decidir se era o tom de voz ou o sorriso, talvez fosse o jeito infantil, ou não fosse nada disso e simplesmente fosse. Era.

Discutiam meio sem razão, alguns gritos, lágrimas. A gritaria incomodava os vizinhos, não pelo barulho, mas porque não as ouviam brigar.  Discutiam sobre a cama, entre os lençóis, olhando-se nos olhos e contradizendo as palavras de ódio com aquele velho encontro que não sabia dizer nada além de "eu te amo".

A uma pensou se seguiria para o quarto, ela estava pensando, diferente de outras noites, onde corria para a outra, ou com a outra. Ela não pensava se deveria correr para a sua, simplesmente corria mas hoje era diferente.
Optou pela cozinha. Água com gás. Estava se acalmando antes mesmo de ficar nervosa, estava agitada, mas ainda conseguia controlar.

DESCULPA! Aquela outra escreveu com marcador permanente no rótulo da garrafa. DESCULPA! Escreveu em vermelho e letras garrafais. DESCULPA! Por uma terceira vez onde a uma conseguiu escuta-la soluçar. O chuveiro havia parado e a água agora vinha através de lágrimas da uma e da garrafa da derramada sobre a pia. "Por que sempre uma desculpa, apenas não erre, seja cuidadosa e não precisará delas.", pensou e vociferou, NÃO PRECISO DELAS!

Não havia notado a outra parada com certa distância de seu corpo, se assustou quando a viu ali, de cabelos molhados e uma camisola leve.

EU TE OUVI CHEGAR. Tentou seguir para o quarto,  mas a outra colocou-se no caminho. 

VOCÊ SABE QUE ODEIO DESCULPAS. Tentou mais uma vez sem sucesso seguir até o quarto. VOCÊ AO MENOS SABE POR QUE AS PEDE?

PORQUE EU TE AMO. Em um filme Hollywoodiano, talvez a uma desse início a uma risada sarcástica enquanto a outra chorasse. Mas elas só protagonizam a sua própria história, onde não existe roteiro ou indicações ao oscar.
Mas a uma encostou na parede e fez aquilo que a acalmava melhor do que qualquer outra forma de relaxamento, puxou a outra pra si, em um abraço apertado.

Era diferente das outras noites, apesar de haver saudade. Havia medo, se tornariam aquilo? Estranhas medindo passos dentro de suas casas. Desconhecidas de toques frios que dividem a mesma cama. Duas que não sabem ser uma e tem medo de admitir. Havia muitos porquês até que a outra se mexeu entre os braços da uma e a olhou nos olhos, não estavam sob seus lençóis, mas estavam ali, dentro daquele mesmo debate. Aqueles olhos que se encontram e simplesmente dizem, não adianta que neguem, ou tentem fugir, eles gritam, a qualquer um, mas daquela forma, eles são os mais altos sussurros, ou poderiam ser silenciosos, mudos!  Que elas ainda conseguiriam ouvir. eu te amo. EU TE AMO. E se amavam. Sem sombras,  sem luz, ali no escuro do corredor elas se amavam e ainda se amariam se tivesse luz.

Era um amor, desses raros que sustentam, alimentam de dentro pra fora e de fora pra dentro. Sem que uma palavra fosse dita, imploraram. Os lábios de uma em encontro com os da outra. A mão afoita que deslizava com calma. O coração que parecia estar por todo corpo, porém trocados. A uma pertencia a outra, enquanto a outra sem sombras de dúvida era a uma. 

Sem que nada fosse dito, apenas sentido, se perdoaram, ali, enquanto a uma se perguntava por quê?  E a outra respondia ao se encaixar em seu corpo de maneira tão perfeita. 

Porque a amava.

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